quarta-feira, 16 de março de 2011

sexta-feira, 4 de março de 2011

Naquele dia Luna sentou na areia e chorou. E a cada lágrima que caía dos grandes olhos castanhos, uma estrela desaparecia do céu. Uma a uma, foram-se todas. Eram Luna, um céu vazio e suas lágrimas salgadas. Luna chorava por amor, um amor que cresceu na hora errada, talvez atrasado, todo tortinho, tentando ser amor de verdade, tal qual uma plantinha tenta ser planta dentro de uma caverna sem luz. Deus olhou lá de cima e viu a menina com seus cachos, com seus olhos castanhos, com seu amor, com suas lágrimas e resolveu chamar aquilo que Luna havia feito, e que rendera ao céu das noites um vazio infinito, de mar. E desde então Luna e mar se constituem da mesma matéria: partículas de um amor tortinho, doído, que não sabe bem o que fazer. Deus achou aquilo bonito, uma fugitiva das previsões de suas criações, e resolveu encher o mar de coisas bonitas pra tentar deixar Luna e seu amor menos tristinhos.  Deus gastou no mar todas as suas tintas – as aquarelas, guaches, acrílicas, a óleo – todos os seus lápis de cor, canetas, livros, filmes, cartas de amor e tudo mais que pudesse dar cor a uma coisa. E desde então o mar é a coisa mais colorida que Deus já fez. Há quem diga que as flores, volta e meia, têm acessos de ciúmes, mas logo vêem o quanto são amadas e são parte da pequena Luna e tranqüilizam seus corações-de-flor. Só o coração-de-flor de Luna não se tranqüiliza. Vive doendo seu amor tortinho, vive na espera do dia em que gastará todas as suas cores (são infinitas) numa parede com leões, girassóis e gatinhos. Luna espera. Um dia gravará isso nas costelas, para nunca esquecer. Assim como gravou nas longas pernas, tal qual cicatriz cor de sangue, os encantos que a vida lhe traz, gravará nas costelas, ao lado do coração-de-menina, seu coração-de-flor, sua espera e pra sempre trará em si a repetição: “ter fé e ver coragem no amor”. Só assim Luna partirá nua, crua para aquilo que também é ela: o seu mar. E nesse dia aguardará, no mar, a primeira estrela que ressurgir no céu – hoje, a presença constante do seu desamor –, o prenúncio do amor que será.
Luna talvez conseguisse se lembrar que música tocava naquele momento, se naquele momento o mundo não tivesse ficado mudo a sua volta; talvez conseguisse se lembrar o que acontecia um segundo antes, se naquele momento não tivesse apagado o restante pra só pensar naquilo; talvez pudesse se lembrar das frases soltas que ouviu dos seus amigos segundos depois, se algo do que ouviu tivesse feito algum sentido; talvez pudesse tentar explicar o que sentia, se aquele sentimento fosse minimamente familiar (não o era, ainda bem).
Luna talvez tivesse conseguido engolir o choro, se não tocasse um Frevo Novo nos seus ouvidos quando tentou fugir; teria conseguido talvez, ainda assim, se aquele rapaz não cantarolasse aos gritos um Último Romance no ouvido daquela moça e se aquilo, sim, não o fosse extremamente familiar (e o era, ainda bem); a noite talvez fosse carnaval, se na sua cabeça morasse ainda alguma vontade de não ser de ninguém; seria carnaval para Luna também, não fosse o fôlego sem fim pra nadar contra a correnteza das normalidades.
Luna talvez não derramasse tantas lágrimas sob as estrelas da varanda do pequeno apartamento, se a ausência de reciprocidade não fosse uma de suas maiores tristezas no mundo. Luna talvez tivesse tomado um café, se coubesse alguma coisa dentro dela, que não aquele sentimento; talvez estivesse dormindo agora, se conseguisse.
Luna provavelmente não teria visto, trajado de branco, quase invisível em meio a tantas cores e tanto brilho, não fosse o seu coração que passava na avenida, carnavalizando a vida.


A tarde talvez fosse azul, não houvesse tantos desejos.